"Há um poema do Jorge Luís Borges em que ele fala dos justos que estão a salvar o mundo. Conta de um homem que está a ver as provas de um livro e esforça-se por não deixar passar um erro, daquele que cultiva com amor um pequeno jardim, daquele que faz gestos que não se vêem. E ele diz: “Estes justos estão a salvar o mundo mas não sabem.”
A dimensão fundamental da santidade é uma dimensão que nós não sabemos. Porque não se trata de identificar como santo. A santidade é anónima, a santidade não se dá por ela, não se pensa que é santidade. Ou o próprio não pensa, só no coração dos outros é que nasce a pergunta. Quando diziam a Dorothy Day que ela era santa ela dizia: “Não me digam isso! Não me afastem dos outros!” A santidade não é um pódio, não é os primeiros da classe, não são os avançados, aqueles que são colocados à parte, puros. Não, os santos andam a lavar os pés da Humanidade.
Os santos andam a carregar os seus pesos, os santos andam a fazer rir, os santos andam a levar o saco das compras, os santos andam mais devagar para ir ao lado dos outros. Os santos falam, os santos calam, os santos cozinham, os santos jejuam, os santos fazem festa, os santos visitam prisões e hospitais. Os santos são os semelhantes a Deus, os semelhantes a Deus".
Texto do Cardeal D. José Tolentino Mendonça©
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.
Jorge Luís Borges -"A Cifra". Tradução de Fernando Pinto do Amaral









