A abordagem terá de ser feita sentados à mesma mesa com o «fair-play» que se impõe num País cujo povo luta quotidianamente, de forma abnegada, para alcançar a tão apregoada e abençoada «Justiça Social», neste século XXI, e sedimentar a verdadeira paz e reconciliação nacionais.
Os tenebrosos acontecimentos de « 27 de Maio de 1977» deveriam ser baptizados como o dia do nosso holocausto.
Quando rememorados, tais acontecimentos ainda fazem doer as cicatrizes feitas tatuagens nos nossos corpos e abrem as feridas aparentemente saradas das nossas almas.
Fruto das desinteligências acumuladas no tempo da guerra de guerrilha pela «Pessoa Colectiva» (MPLA) que proclamou a independência nacional e exerce o poder político em Angola desde 1975, o «27 de Maio de 1977» é uma data que marca o início de um processo durante o qual uma pleâide de jovens dotados de uma inteligência invulgar e de uma consciência cidadã e política ímpar foi dizimada sem dó nem piedade.
Jovens foram barbaramente executados depois de duros interrogatórios feitos por torcionários escolhidos a dedo para tal.
Jovens que foram friamente assassinados depois de severamente seviciados por terem simplesmente ousado questionar os métodos de governação da época.
Quando o calendário gregoriano nos apresenta o mês de Maio, a dor e a tristeza são convocadas à memória de todos nós.
Não há como não rememorar o «dia mais sinistro e triste» da História política angolana, o dia do nosso holocausto.
Apesar de ter, à data dos factos, três anos, permitam-me, aqui e agora, dar público testemunho de que também fui vítima (in)directa daquele que considero, por minha conta e risco, o maior processo de autofagia da História recente de Angola.
O meu pai fazia parte da classe de jovens pensantes ,actuantes e com consciência cívica e política já bastante avançada para época que foi submetida a julgamentos sumários, arbitrários e sem qualquer hipótese de defesa eliminados fisicamente.
Por essa razão, eu e os meus irmãos vimo-nos privados do afecto paterno por obra e graça de quem idealizou e materializou o «27 de Maio de 1977».
Por obra é graça de quem idealizou o nosso holocausto, aos 21 anos, a nossa genetriz transformou-se numa inconsolável viúva que se viu na contingência de esfolar mãos e joelhos para que não faltasse pão à mesa lá de casa e pudéssemos ir à escola.
O «27 de Maio de 1977» roubou-nos a alegria e o carinho que um pai deve dispensar aos filhos.
Mas não vou verberar isso aqui e agora e muito menos chorar por essa desgraça passada, que, todavia, permanece no «disco duro» da minha memória e de muitas vítimas como eu.
É imperioso, pois, que se discuta pública e abertamente até à exaustão o « dossier 27 de Maio de 1977».
Discutir sem insultar os órfãos desta hecatombe e muito menos zombar dos sobreviventes da mesma, como até aqui fez a Administração Lourenço.
O Parlamento seria o espaço ideal para que tal discussão ocorresse com o nobre fito de exorcizarmos os espíritos, chorarmos os nossos mortos, fazermos mea culpa e tirarmos lições e ilações do sucedido.
O assunto será, ad eternum, inesquecível. Todavia, é importante que tenhamos elevação moral, intelectual e política suficientes para perdoarmo-nos mutuamente.
O Parlamento tem - salvo melhor opinião - a obrigação moral e política de tirar o «dossier 27 de Maio de 1977» do fundo da gaveta para ser objecto de análise e discussão da parte de todos nós".
Jorge Eurico (Jornalista)
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