domingo, janeiro 24, 2021

Adormeci Num Rio

 Adormeci num rio, acordei num rio,

da minha misteriosa

incapacidade de morrer nada sei

dizer-te, nem

de quem me salvou ou por que razão –


Havia um silêncio imenso.

Nenhum vento. Nenhum som humano.

O século amargo


tinha chegado ao fim,

o glorioso, o duradouro,


o sol frio

persistia como uma antiqualha, um memento,

com o tempo a correr por detrás –


O céu parecia muito límpido,

como no inverno,

o solo seco, inculto,


a luz oficial atravessava

calmamente uma fresta no ar


digna, complacente,

desfazia a esperança,

subordinava imagens do futuro aos sinais da passagem do futuro –


Julgo que caí.

Só à força pude tentar levantar-me,

tão estranha me era a dor física –


Tinha esquecido

a dureza destas condições:


a terra, não obsoleta,

mas quieta, o rio frio, pouco profundo –


Do meu sono não recordo

nada. Quando gritei,

a minha voz trouxe-me um inesperado consolo.


No silêncio da consciência, perguntei-me:

porque rejeitei a minha vida? E respondi

Die Erde überwältigt mich:

a terra derrota-me.

Tentei ser exacta nesta descrição,

para o caso de alguém me seguir. Posso garantir

que o pôr-do-sol no inverno é

incomparavelmente belo e a memória dele

dura muito tempo. Julgo que isto significa


que não havia noite.

A noite estava dentro de mim.

Louise Glück - "Telhados de Vidro", nº. 12, Averno, Lisboa, 2009

Tradução – Rui Pires Cabral

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