domingo, julho 31, 2022

A mulemba secou


A mulemba secou.

No barro da rua,

Pisadas, por toda a gente,

Ficaram as folhas

Secas, amareladas

A estalar sob os pés de quem passava.


Depois o vento as levou...

Como as folhas da mulemba

Foram-se os sonhos gaiatos

Dos miúdos do meu bairro.


De dia,

Espalhavam visgo nos ramos

E apanhavam catituis,

Viúvas, siripipis

Que o Chiquito da Mulemba

Ia vender no Palácio

Numa gaiola de bimba.


De noite,

Faziam roda, sentados,

A ouvir, de olhos esbugalhados

A velha Jaja a contar

Histórias de arrepiar

Do feitiçeiro Catimba.

Mas a mulemba secou

E com ela,

Secou tambem a alegria

Da miúdagem do bairro;

O Macuto da Ximinha

Que cantava todo o dia

Já não canta.


O Zé Camilo, coitado,

Passa o dia deitado

A pensar em muitas coisas.


E o velhote Camalundo,

Quando passa por ali,

Já ninguém o arrelia,

Já mais ninguém lhe assobia,

Já faz a vida em sossego.

Como o meu bairro mudou,

Como o meu bairro está triste

Porque a mulemba secou...

Só o velho Camalundo

Sorri ao passar por lá!...

Aires Almeida Santos (1922 - 1991) 

Sem comentários: