Proponho-lhe que leia mais uma crónica de Ruth Manus, publicada no Observador:
"A mulher lisboeta caminha com passos de certeza. Não acelera demais, como fazem as parisienses, não esbarra nos outros, como fazem as madrileñas, não pisa fundo demais, como fazem as berlinenses.
Quando vim morar em Lisboa, há dois anos, eu já namorava um lisboeta, mas percebi que não conhecia nenhuma mulher lisboeta de perto. Dias antes de me mudar, tentava formar um perfil na minha cabeça, misturava a imagem das mulheres que tinha visto caminhar na Avenida da Liberdade quando vim passar férias, com a fama da mulher portuguesa, de ser rígida e trabalhadora. Não conseguia visualizar bem quem seriam essas mulheres e perguntava-me se saberia me relacionar com elas, bem como se seríamos amigas ao invés de sermos adversárias.
O tempo começou a me dar respostas. A mulher lisboeta não cabe num padrão óbvio, muito menos nos velhos clichês sobre a mulher portuguesa- bruta demais, dura demais. Muitas vezes a mulher lisboeta lembra a mulher paulistana, que também não se encaixa no velho clichê sobre a mulher brasileira- sensual demais, vazia demais. Essa semelhança foi uma boa surpresa. São mulheres urbanas, sólidas e donas de si mesmas.
A mulher lisboeta dirige a própria vida. É uma mulher que estuda, trabalha e faz planos sem esperar que ninguém os faça por ela. Ela pode ter mais ou menos apoio, mas nada- nem muito suporte, nem pouco suporte- faz com que ela tenha menos coragem de seguir em frente.
A mulher lisboeta se veste bem. Ninguém sabe usar botas melhor do que elas. Ninguém sabe usar tons de castanho melhor do que elas. Sigo observando-as nas ruas, tentando aprender como um casaco cinzento e uma calça preta pode ganhar tanta graça quando bem escolhidos. Não precisam de muita maquiagem, não precisam de peças caríssimas, não precisam de salto fino. Não precisam de muito porque elas simplesmente sabem o que fazer.
A mulher lisboeta caminha com passos de certeza. Não acelera demais, como fazem as parisienses, não esbarra nos outros, como fazem as madrileñas, não pisa fundo demais, como fazem as berlinenses. Ela caminha, às vezes apressada no Saldanha, às vezes calma no Chiado, mas sempre com o ar de quem sabe aonde está indo. Você pode não saber, mas ela sempre sabe aonde vai.
A mulher lisboeta não pede licença para ocupar o espaço ao qual tem direito, seja na família, no trabalho, na universidade ou nas ruas. Ela tem consciência de que o mundo é machista e decide diariamente não se intimidar com isso. Ela segue em frente e vai derrubando as barreiras com sua capacidade e sua postura que, sim, às vezes é agressiva porque precisa ser. Num mundo que ainda é dos homens, ser doce nem sempre funciona.
A mulher lisboeta sabe esbravejar quando é necessário. Talvez seja isso o que mais falta nas brasileiras. Mas a mulher lisboeta também sabe sorrir. Sorri de forma tímida, não sei bem o porquê, mas sorri. A mulher lisboeta é divertida e sólida ao mesmo tempo. É forte, tem charme e sempre segue em frente.
A mulher lisboeta é grande, mesmo quando é pequena. Não vive de mesquinharias, não compra os rótulos burros que tentam lhes vender, inclusive sobre nós brasileiras. Isso ficou no passado. A mulher lisboeta não se sente ameaçada porque sabe quem é. Ela sorri seu sorriso riso curto e estende a mão de forma discreta. Mas sorri e estende a mão, é o que importa.
Não sei se as mulheres do Porto são como as de Lisboa. Nem se as de Coimbra, de Braga, de Évora, de Faro, de Funchal, de Viseu e de Santarém o são. Espero que sim, cada uma com suas nuances e sua identidade. Mas todas mulheres fortes, movendo o mundo. É bom poder contar com vocês".
Ruth Manus - Observador (04/02/17)
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