Tenho dez anos
e caminho de volta à minha casa.
Venho da escola, da igreja,
da casa de Helena Reis, não sei,
mas piso, é certo, sobre trilha de areia,
pensando: vou ser artista.
Tenho um vestido, um sapato
e uma visão que não reconheço poética:
um mamoeiro com frutas sob muito sol e pardais.
Não a perderia porque era o bom-sem-fim,
como rosais, uma palavra anzol,
puxava calor, meio-dia, presas de ofídio,
diminuta aflição, gotículas,
porque a Virgem esmagava o demônio
com seu calcanhar rosado.
Só porque achei sua binga e seu pito
meu pai falou: eta menina de ouro!
Foi injusto outras vezes, mas perdeu tardes
atrás de sabugueiro para curar minha tosse.
Parece que vou entristecer-me,
desanimada de lavar hortaliças,
tentada ao jejum mais duro,
não como, não falo, não rio,
nem que o papa se vista de baiana.
Virgem Maria! o tempo quer me comer,
virei comida do tempo!
Me ajuda a parir esta ninhada de vozes,
me ajuda, senão
este conluio de sombras me sequestra,
me rouba o olho antigo e a paixão viva.
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