segunda-feira, novembro 14, 2022

Era Uma Vez...

Hoje deixo-lhe aqui um delicioso texto. Não deixe de o ler, porque vale mesmo a pena.


"Era uma vez um gato. Um gato com história e com pose, que, neste dia resolveu contar parte da história da sua vida.

Não sou um gato qualquer, embora não saiba se nasci em berço de ouro. O que sei, é que, sem saber como nem quando, fui despejado dos meus aposentos. Depois de andar aos tombos, sobrevivi. Fui parar à loja de velharias da nossa querida Celinha.

Ao princípio até achei piada, mas, como acontece com todos, com o passar do tempo comecei a cansar-me daquela estadia forçada.

Não posso deixar de dizer que os melhores tempos foram aqueles em que fui colocado na montra, à vista de todos os que passavam e que encostavam o nariz ao vidro (e eu, com os meus lindos olhos azuis, a bater-lhes a pestana, mas não os convenci). 

Também adorei quando um certo dia entraram duas damas a quem ao longo do tempo fui retirando o retrato e percebendo um pouco da sua personalidade (à semelhança do que fiz com outros clientes). 

A mais pequenita fazia-se desinteressada pelo artigo e chorava por uma baixa de preço. A outra era um pouco mais discreta e não regateava o preço. Sei que ficava toda contente, quando a amiga intercedia por ela ou lhe comprava o artigo desejado a preços mais convidativos. A pequenita segredava quando via alguma anomalia. Com um toque ou um gesto de cabeça, ia passando informação à outra que sofre de falta de vista já há algum tempo.

Como me senti feliz quando um certo dia, a pequenita pegou em mim e quase que me virou do avesso. Teceu alguns elogios (poucos) que a outra dama secundou. Quando, como quem não quer o gato, perguntou o preço, a coisa mudou de figura. A Celinha, que é boa vendedora, logo argumentou com os meus belos olhos azuis, que até eram de vidro, o que não acolheu aceitação por parte da minha pretendente.

Durante uns dias, quando as damas chegavam, falavam de mim, achavam-me bonito e estranhavam que ainda andasse por ali. Uma delas até disse que eu tinha a grande vantagem de não miar. Por uma ou duas vezes mais, a minha pretendente pegou-me ao colo e até conseguiu uma baixa de preço, o que para mim foi uma desconsideração, mas nada, nem assim me levou… 

Retornei ao meu lugar e mais nada aconteceu, a não ser, um olhar de soslaio uma vez por outra. Comecei a perder a esperança e posso dizer que ficava triste quando via sair a dama, com uns talheres, umas caixas, umas paneleirices, que na minha perspectiva de gato informado e convencido, não tinham graça nenhuma… 

Antes de chegar ao fim da minha história, vou puxar aqui dos meus galões e dizer que sou um gato cheio de predicados.

É que, para além de ter uns olhos azuis fabulosos (só um cego e a minha pretendente, é que dizem que não são de vidro), tenho a vantagem de não largar pelo, não gastar água, não gastar ração, não fazer necessidades, não precisar de ir ao veterinário e nem sequer miar. 

Afirmo, a pés juntos, que sou um gato com classe.

Ontem aconteceu um imprevisto. 

Já fora de horas a amiga da pequenita entrou na loja da Celinha e disse-lhe que ia levar o gato para dar à sua amiga Gabriela. Confesso aqui, que não dei pulos de contente porque não posso, mas fiquei muito feliz. 

Sem que lhe tenha sido pedido nada, a Celinha, que achou o gesto bonito e ainda estava muito sentida e de lágrimas nos olhos com a partida do seu querido Pina, baixou o meu preço, mas isso não beliscou a minha felicidade.

Sei que agora a minha vida vai mudar de rumo (tal como a da minha nova dona). Tenho a certeza de que vou para uma casa onde me querem bem e onde há uma coleção incompleta de gatos de que eu poderei fazer parte. Sabe-se lá se não encontrarei por lá o amor da minha vida, com uns verdadeiros olhos de vidro, lindos de morrer e de que não importa a cor.

P.S.

Era uma vez um gato… 

Um gato branco e de olhos azuis, com história e com pose, a quem deram o n.º 37 e com um carimbo cheio de classe que a minha querida Gabriela irá descobrir o que é. 

Eu não vos disse que não era um gato qualquer?


Como ainda não sei escrever, pedi à Armanda, a amiga da pequenita, que o fizesse por mim…

Beijinhos com muita amizade.

Miau... Miau…"

Autora: Mª Armanda Coelho

1 comentário:

Anónimo disse...

Maravilhoso! Ela tem o grande dom de tornar especiais até as coisas mais simples! … Claro que também me comovi…bjs Mila