Algum dia o poema será a bungavília
pendente deste muro da Calçada da Graça.
Produz uma semente que faz esquecer os jornais, o emprego e a família,
e além disso tudo atapeta o passeio alegrando quem passa.
Mas antes desse dia há-de secar a bungavília
e o varredor há-de levar as flores secas para o monturo.
Depois cairá o muro.
E como tempo passa
mesmo contra vontade,
também há-de acabar a Calçada da Graça
e o resto da cidade.
Então, quando nada restar, nem o pó de um sorriso
que é o mais leve de tudo que se pode supor,
será esse o momento de o poema ser flor,
mas já não é preciso.
António Gedeão - In, Poemas Escolhidos, Edições JSC, Lisboa (1967)
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