As noites de António Lobo Antunes são povoadas de vozes. Uma dela é a da angolana Virinha. O canto de Elvira fez-se ouvir nas palavras do ficcionista, aquando da entrevista concedida ao jornalista UBIRATAN BRASIL, d' O Estado de S.Paulo, em 25 de Abril de 2010.
O doloroso canto de uma mulher torturada povoa o pensamento do escritor português. "É a voz de Elvira, conhecida como Virinha, que foi presa em Angola em 1977, quando o país, recém-independente de Portugal, enfrentava problemas internos", comenta ele, na entrevista que deu ao Estadão. Comandante do batalhão feminino do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola, movimento que assumiu o poder), Elvira foi uma das 80 mil pessoas mortas, sob suspeita de conspirar contra o governo de Agostinho Neto, "cifra superior à dos assassinados durante todo o período ditatorial de Augusto Pinochet no Chile", acrescenta.
Como é que Elvira, a Virinha, que comandou o batalhão feminino do MPLA, foi torturada e morta?
Os pulsos foram amarrados com arame e os tornozelos atados nas costas. Era levantada a uma altura de dois metros, depois era repentinamente solta. O seu corpo tombava no chão. Mas, mesmo torturada, Elvira não parou de cantar, só quando morreu.
E foi a Comissão das Lágrimas, uma espécie de tribunal que não julgava,
apenas determinava a forma da pena, que decidiu o futuro de Elvira?
Sim. É um nome espantoso, carregado de poesia para determinar algo tão cruel. Isso
faz-me lembrar o povo da Roménia que, antes da queda do comunismo em 1989, perguntava
se haveria vida antes da morte.
Como médico psiquiatra, conheceu Angola durante a guerra colonial, entre 1971 e 1973. Foi durante o período anterior à independência, portanto, precisou de fazer muitas pesquisas?
Não fiz quase nenhuma, caso contrário seria esmagado pela documentação. Nesse caso, o
melhor seria fazer um livro-reportagem. Prefiro confiar na minha sensibilidade. Mas nem sei ainda se terei um livro, pois vivo agora o momento mais terrível, aquele das falsas partidas: um caminho aponta, mas não é esse. Surge outro, também não é. Portanto, é um trabalho para, no mínimo, dois anos, que pode resultar em nada.
Estas são as tais inspirações que são o ponto de partida das obras de Lobo Antunes. Assim, começou agora o rascunho daquilo que pode resultar no seu novo livro, com o título provisório de Comissão das Lágrimas.
Texto elaborado a partir de excertos da entrevista dada pelo escritor, a UBIRATAN BRASIL, jornalista d' O Estado de S.Paulo, em 25 de Abril de 2010.
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