quarta-feira, maio 27, 2009

Testamento

Hoje, 27 de Maio, não poderia deixar de recordar Angola. Por isso, escolhi um belíssimo poema de Alda Lara: Testamento.

À prostituta mais nova,
do bairro mais velho e escuro,
deixo os meus brincos lavrados
em cristal, límpido e puro…

E àquela virgem esquecida
rapariga sem ternura,
sonhando algures uma lenda,
deixo o meu vestido branco,
o meu vestido de noiva,
todo tecido de renda…

Este meu rosário antigo,
ofereço-o àquele amigo
que não acredita em Deus…

E os livros, rosários meus
das contas de outro sofrer,
são para os homens humildes,
que nunca souberam ler.

Quanto aos meus poemas loucos,
esses, que são de dor
sincera e desordenada…
esses, que são de esperança,
desesperada mas firme,
deixo-os a ti, meu Amor…

Para que, na paz da hora,
em que a minha alma venha
beijar de longe os teus olhos,

vás por essa noite fora…
com passos feitos de lua,
oferecê-los às crianças
que encontrares em cada rua…

Lisboa, 1950
Alda Lara (Poemas – Obra Completa de Alda Lara, Editora Capricórnio, Lobito 1973)

1 comentário:

Anónimo disse...

Não conhecia nem o poema nem a poetisa mas "transpira" a alma angolana nas entrelinhas de um ão bonito versejar.