Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo.
Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
— a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
— Embaixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
— E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
Herberto Helder
1 comentário:
Parece que gostam muito de Herberto Helder. Que por acaso foi meu professor de literatura na FLUL!
A sua escrita é distinta da maioria dos autores deste século!
Parabéns por terem um blog na escola! Devem ser alunos muito especiais, coisa que não prolifera hoe em dia!
Pelo que vi são exigentes a escolher os autores! Gostei!!! Boa sorte!
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