Adormeci num rio, acordei num rio,
da minha misteriosa
incapacidade de morrer nada sei
dizer-te, nem
de quem me salvou ou por que razão –
Havia um silêncio imenso.
Nenhum vento. Nenhum som humano.
O século amargo
tinha chegado ao fim,
o glorioso, o duradouro,
o sol frio
persistia como uma antiqualha, um memento,
com o tempo a correr por detrás –
O céu parecia muito límpido,
como no inverno,
o solo seco, inculto,
a luz oficial atravessava
calmamente uma fresta no ar
digna, complacente,
desfazia a esperança,
subordinava imagens do futuro aos sinais da passagem do futuro –
Julgo que caí.
Só à força pude tentar levantar-me,
tão estranha me era a dor física –
Tinha esquecido
a dureza destas condições:
a terra, não obsoleta,
mas quieta, o rio frio, pouco profundo –
Do meu sono não recordo
nada. Quando gritei,
a minha voz trouxe-me um inesperado consolo.
No silêncio da consciência, perguntei-me:
porque rejeitei a minha vida? E respondi
Die Erde überwältigt mich:
a terra derrota-me.
Tentei ser exacta nesta descrição,
para o caso de alguém me seguir. Posso garantir
que o pôr-do-sol no inverno é
incomparavelmente belo e a memória dele
dura muito tempo. Julgo que isto significa
que não havia noite.
A noite estava dentro de mim.
Louise Glück - "Telhados de Vidro", nº. 12, Averno, Lisboa, 2009
Tradução – Rui Pires Cabral