sábado, outubro 05, 2019

Elevar

Professor, “sois o sal da terra e a luz do mundo”.
Sem vós tudo seria baço e a terra escura.
Professor, faze de tua cadeira,
a cátedra de um mestre.
Se souberes elevar teu magistério,
ele te elevará à magnificência.
Tu és um jovem, sê, com o tempo e competência,
um excelente mestre.

Meu jovem Professor, quem mais ensina e quem mais aprende?
O professor ou o aluno?
De quem maior responsabilidade na classe,
do professor ou do aluno?
Professor, sê um mestre. Há uma diferença sutil
entre este e aquele.
Este leciona e vai prestes a outros afazeres.
Aquele mestreia e ajuda seus discípulos.
O professor tem uma tabela a que se apega.
O mestre excede a qualquer tabela e é sempre um mestre.
Feliz é o professor que aprende ensinando.
A criatura humana pode ter qualidades e faculdades.
Podemos aperfeiçoar as duas.
A mais importante faculdade de quem ensina
é a sua ascendência sobre a classe
Ascendência é uma irradiação magnética, dominadora
que se impõe sem palavras ou gestos,
sem criar atritos, ordem e aproveitamento.
É uma força sensível que emana da personalidade
e a faz querida e respeitada, aceita.
Pode ser consciente, pode ser desenvolvida na escola,
no lar, no trabalho e na sociedade.
Um poder condutor sobre o auditório, filhos, dependentes, alunos.
É tranquila e atuante. É um alto comando obscuro
e sempre presente. É a marca dos líderes.

A estrada da vida é uma reta marcada de encruzilhadas.
Caminhos certos e errados, encontros e desencontros
do começo ao fim.
Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.
O melhor professor nem sempre é o de mais saber,
é sim aquele que, modesto, tem a faculdade de transferir
e manter o respeito e a disciplina da classe.
Cora Coralina

sexta-feira, outubro 04, 2019

Lisboa

Carlos Botelho
De certo, capital alguma do Ocidente
Tem mais afável sol, ou um céu mais clemente,
Mais colinas azuis, rio d’águas mais mansas,
Mais tristes procissões, mais pálidas crianças,
Mais igrejas e cães — e vargens, onde a esteira
Seja em tardes d’estio a flor da laranjeira!


A cidade é garrida e esbelta de manhã! —
É mais alegre então, mais límpida, mais sã.
Com certo ar virginal ostenta suas graças…
Há vida, confusão, murmúrios pelas praças.
— E, às vezes, em roupão, uma violeta bela
Vem regar o craveiro e assoma na janela.

A cidade é beata — e, às lúcidas estrelas,
O vicio, à noite, sai aos becos e às ruelas
Sorrindo, a perseguir burgueses e estrangeiros…
E à triste e dubia luz dos baços candeeiros,
— Em bairos imorais, onde se dão facadas —
Corre às vezes o sangue e o vinho nas calçadas.

Pintura Naïf
As mulheres são gentis. — Umas altas, morenas,
Graves, sentimentais, amigas de novenas,
Ébrias de devoções, relêem as suas Horas.
— Outras fortes, viris, os olhos cor d’amoras,
Os lábios sensuais, cabelos bons, compridos,
— Às vezes, por enfado, enganam os maridos!

Os burgueses banais são gordos, chãos, contentes,
Amantes de cupido, egoistas, indolentes,
Graves nas procissões, nas festas, e nos lutos.
Bastante sensuais, bastante dissolutos,
Mas humildes cristãos!.. e, em místicos momentos,
— Tendo, ainda, crueis saudades dos conventos!

Viciosa ela se apraz num sono vegetal,
Adversa ao Pensamento e contrária ao Ideal.
David Levy
— Mas, mau grado assim ser viciosa, egoista, à lua,
Como Nero também dá concertos na rua,
E, em noites de verão quando o luar consola,
— Põe ao peito a guitarra e a lírica viola.

No entanto a sua vida é quase intermitente,
Chafurda na inação, feliz, gorda, contente.
E, eclipsando as acções dos seus navegadores,
Abrilhanta a batota e as casas de penhores.
Faz guerra à Vida, à Acção, ao Ideal!.. e ao cabo
— É talvez a melhor amiga do Diabo!
Gomes Leal (1848-1921)Claridades do Sul, Lisboa, 1901.

quinta-feira, outubro 03, 2019

O Vira do Minho



O Vira do Minho é uma dança típica do folclore do Alto Minho.
O Vira embora mais conhecido como característico do Minho, é também dançado noutras regiões de Portugal, entre as quais a Estremadura. São vários os tipos de viras conhecidos: O Vira Antigo (Reguengo Grande, Lourinhã e Casais Gaiola, Cadaval), o Vira das Sortes (Olho Marinho, Óbidos), o Vira Valseado (Outeiro da Pedra, Leiria), o Vira de Costas (Colaria, Torres Vedras), o Vira das Desgarradas (Reguengo Grande, Lourinhã), o Vira Batido (Casais Gaiola, Caldas da Rainha), o Vira de Três Pulos (Assafora, Sintra), o Vira de Dois Pulos (Lagoa, Mafra) e o Vira de Seis, em terras de pescadores.
Imagine, dispostos em roda os pares de braços erguidos, que vão girando vagarosamente no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. Os homens vão avançando e as mulheres recuando. A situação arrasta-se até que a voz de um dançador se impõe, gritando "fora" ou "virou". Dão meia-volta pelo lado de dentro e colocam-se frente-a-frente com a moça que os precedia. Este movimento vai-se sucedendo até todos trocarem de par, ao mesmo tempo que a roda vai girando, no mesmo sentido. Para ajudar a completar o cenário imagine os dançarinos (as) com os fatos minhotos e as mulheres com as arrecadas.
Mas este Vira do Minho é apenas o mais simples dos viras de roda, pois outros há com marcações mais complexas. E são muitos os nomes em que se desdobram: vira, fandango de roda, fandango de pares, ileio, tirana, velho, serrinha, estricaina, salto, entre outros.
Viana do Castelo é famosa quando se trata de encenar o vira. Mas não é a única. Chegamos à região de Braga e logo nos surge o "vira galego", “despido da opulência primitiva”, como o definiu, Pedro Homem de Mello.
As origens do Vira, de acordo com alguns estudiosos situam-se no século XVIII enquanto outros referem a sua origem antes do séc. XVI.
Tomaz Ribas considera o Vira uma das mais antigas danças populares portuguesas, salientando que já Gil Vicente a ele fazia referência na peça Nau d’Amores, onde o dava como uma dança do Minho. Note-se, a respeito de filiações e semelhanças, a proximidade do Vira de Dois Pulos de Lagoa e Mafra com o Fandango.
E agora assista ao Grupo Folclórico Das Lavradeiras Da Meadela,Viana do Castelo.

quarta-feira, outubro 02, 2019

Os Furoshiki

Os Furoshiki são um tipo de panos de embalagem japoneses, tradicionalmente usados para transportar roupas, presentes ou outros bens.
Este nome, que possivelmente remonta ao período Nara, significa "espalhamento de banho", que deriva da prática do período Edo de usá-los para empacotar roupas enquanto as pessoas estavam no sentō (banhos públicos) para evitar a mistura das roupas dos banhistas.
Antes de se associarem a banhos públicos, os furoshiki eram conhecidos como hirazutsumi, ou agasalho dobrado. Eventualmente, os furoshiki serviam como um meio para os comerciantes transportarem as suas mercadorias ou para proteger e decorar um presente.
Há um exemplo histórico da utilização de um Furoshiki, por um soldado japonês, durante a Segunda Guerra Mundial. Este soldado foi capturado e o seu Furoshiki tem um mapa impresso num destes panos.
O mapa foi obtido por um soldado australiano, EJ Knight, do soldado japonês capturado em South Bougainville, em 1945. É um furoshiki de tecido sintético. O tecido tem impresso em azul, cinza, castanho, malva e laranja, um mapa do Sudeste Asiático, um avião, um navio e uma música que é uma marcha patriótica. Tem também um poema escrito, indicando que Tsuchiya é o terceiro filho de um escritor que se alistou: "Eu vi meus filhos partir para os campos de batalha três vezes num bom dia de jogo". Também no tecido está escrito "Para Tsuchiya Akira de toda a equipe do escritório de Minenobu ".

Os furoshiki modernos podem ser feitos de uma grande variedade de panos, seda, algodão, rayon e nylon, etc,.
Os Furoshiki são muitas vezes decorados com desenhos tradicionais e não têm um tamanho definido. Podem variar dos tamanhos mais comuns, com 45 cm, 68 ou 72 cm, até ao tamanho de lençóis.
A utilização dos furoshiki no Japão, diminuiu no período do pós-guerra, devido à proliferação dos sacos de plástico .
Nos últimos anos, contudo, devido às preocupações ambientais, o interesse pela utilização deste tipo de panos de embalagem tem vindo a aumentar.
Em 2006, o ministro japonês do Meio Ambiente, Yuriko Koike , criou um pano furoshiki para promover o seu uso no mundo moderno.
Se quiser aderir a esta arte milenar de embrulho japonês usada para transportar objetos e embalar presentes, numa lógica sustentável de reaproveitar tecidos, não deixe de ver o vídeo abaixo que nos ensina como fazer uma bolsa com esta técnica.

terça-feira, outubro 01, 2019

Velha Infância

Oiça o grupo brasileiro Tribalistascomposto pelos cantores Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte em Velha Infância.
Você é assim
Um sonho pra mim
E quando eu não te vejo
Eu penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito

Eu gosto de você
E gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
O meu melhor amigo
é o meu amor

E a gente canta
E a gente dança
E a gente não se cansa
De ser criança
A gente brinca
Na nossa velha infância

Seus olhos, meu clarão
Me guiam dentro da escuridão
Seus pés me abrem o caminho
Eu sigo e nunca me sinto só

Você é assim
Um sonho pra mim
Quero te encher de beijos
Eu penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito

Eu gosto de você
E gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
O meu melhor amigo
É o meu amor

E a gente canta
A gente dança
A gente não se cansa
De ser criança
A gente brinca
Na nossa velha infância

Seus olhos, meu clarão
Me guiam dentro da escuridão
Seus pés me abrem o caminho
Eu sigo e nunca me sinto só

Você é assim
Um sonho pra mim
Você é assim
Você é assim
Um sonho pra mim
Você é assim

(Você é assim
Um sonho pra mim
E quando eu não te vejo
Penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito)

(Eu gosto de você
E gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
O meu melhor amigo
É o meu amor)

segunda-feira, setembro 30, 2019

A Poesia Não se Inventou para Cantar o Amor

Leia e medite sobre o excerto que se segue, da obra do escritor português, Eça de Queirós - "A Correspondência de Fradique Mendes"

"A poesia não se inventou para cantar o amor — que de resto não existia ainda quando os primeiros homens cantaram. Ela nasceu com a necessidade de celebrar magnificamente os deuses, e de conservar na memória, pela sedução do ritmo, as leis da tribo. A adoração ou captação da divindade e a estabilidade social, eram então os dois altos e únicos cuidados humanos: — e a poesia tendeu sempre, e tenderá constantemente a resumir, nos conceitos mais puros, mais belos e mais concisos, as ideias que estão interessando e conduzindo os homens. Se a grande preocupação do nosso tempo fosse o amor — ainda admitiríamos que se arquivasse, por meio das artes da imprensa, cada suspiro de cada Francesca. Mas o amor é um sentimento extremamente raro entre as raças velhas e enfraquecidas. Os Romeus, as Julietas (para citar só este casal clássico) já não se repetem nem são quase possíveis nas nossas democracias, saturadas de cultura, torturadas pela ânsia do bem-estar, cépticas, portanto egoístas, e movidas pelo vapor e pela electricidade. Mesmo nos crimes de amor, em que parece reviver, com a sua força primitiva e dominante, a paixão das raças novas, se descobrem logo factores lamentavelmente alheios ao amor, sendo os dois principais aqueles que mais caracterizam o nosso tempo: o interesse e a vaidade. Nestas condições, o amor que voltou a ser, como na Grécia, um Cupido pequenino e brincalhão, que esvoaça, surripiando aqui e além um prazer fugitivo — é removido para entre os cuidados subalternos do homem, muito para baixo do dinheiro, muito para baixo da política... É uma ocupação, sem malícia o digo, que se deixa para quando acabar o dia verdadeiro e útil, e com ele os negócios, as ideias, os interesses que prendem. «Já não há hoje nada de produtivo a fazer? Já não há nada de sério em que pensar?... Bem! Então, um pouco de perfume nas mãos, e abra-se a porta ao amor que espera!» A isto está reduzida a Vénus fatal e vencedora!
Ora quando uma arte teima em exprimir unicamente um sentimento que se tornou secundário nas preocupações do homem — ela própria se torna secundária, pouco atendida e perde a pouco e pouco a simpatia das inteligências. Por isso hoje, tão tenazmente, os editores se recusam a editar, e os leitores se recusam a ler, versos em que só se cante de amor e de rosas. E o artista que não quer ser uma voz clamando no deserto e um papel apodrecendo no armazém, começa a evitar o amor como tema essencial da sua obra".
Eça de Queirós - A Correspondência de Fradique Mendes

domingo, setembro 29, 2019

A Faiança Miragaia

A Faiança Miragaia refere-se a louças identificadas nos mercados das velharias por "Miragaia" que são um caso bem curioso da faiança portuguesa.
A origem do motivo que as identifica é a célebre loiça inglesa do Willow pattern (o padrão do Salgueiro, desenhado por Thomas Minton em 1790) e que no nosso país se designa como Cantão Popular ou o Cantão de Miragaia.
Basicamente, o motivo inglês, é a narração da história de um amor contrariado passado na China, que tal como Romeu e Julieta, termina mal. Se quiser ficar a saber mais sobre este padrão basta clicar aqui.  Este padrão inglês ter-se-á  inspirado nos motivos chineses de Cantão.
Contudo, os fabricantes portugueses dos "miragaias", libertaram-se das amarras do padrão original do salgueiro e interpretaram-no livremente, com pinceladas rápidas, num resultado cheio de energia e com um gosto muito popular.
Na loiça de Miragaia, as motivos que constituem o padrão do salgueiro são simplificados e esvaziados do seu significado original. No fundo há um processo de abstracção muito grande, só que em vez de ser levado a cabo por pintores modernistas em Paris, é feito por artesãos populares.
Há pouca coisa escrita sobre esta faiança. Sabe-se que houve vários fabricantes ao longo de um período de tempo muito grande (inícios do século XIX até à segunda metade do século XX), que produziram este motivo com muitas variantes entre si. Contudo, as peças nunca têm marcas. De acordo com alguns estudiosos chama-se Cantão Popular ou Cantão de Miragaia, por esta fábrica se ter destacado na sua produção. Mais tarde seriam as oficinas de Coimbra a darem-lhe continuidade pelo que chegou até nós popularizado como Cantão de Coimbra. 

Contudo, numa exposição que se fez em 2008, no Porto, no Museu Soares dos Reis, intitulada Fábrica de Louça de Miragaia, refere-se que nunca se encontrou nenhuma loiça com o motivo do salgueiro, com as marcas características da Fábrica Miragaia. No catálogo da exposição adianta-se que essa fábrica se tornou famosa por fazer um tipo de motivo com uma paisagem em azul, conhecida por "País"  e que daí em diante toda a louça em azul com paisagens passou a ser conhecida por Miragaia.