domingo, setembro 14, 2014

ROMAGEM

Aqui lhe deixo um poema de saudade.
É longo, mas ficam avivadas as memórias dos nomes das cidades e dos sítios que enfeitiçaram algumas pessoas que passaram por Angola.

MEU SER ORGULHOSO EXIBE
A SAUDADE QUE O ASSOLA:
SAUDADE DO MEU NAMIBE,
SAUDADE DA MINHA ANGOLA
1
Quero ver Namibe, Huila,
Onde o meu passado mora,
Numa romagem tranquila
Ir por essa Angola fora
Do mar à fronteira Leste,
Da fronteira Leste ao mar,
Por chanas, serras agrestes,
Minha saudade adoçar
Nos sabores divinais,
Nas majestosas miragens,
Nos sons ledos, celestiais,
Nos odores, nas paisagens.
2
Ouvir silvar a garrôa,
A calema marulhar,
Apanhar cacimbo à-toa,
No Vento-Leste abrasar;
Botar colar de missanga,
Pulseira de couro usar,
Vestir panos, vestir tanga,
Sandália de pneu calçar;
Queimar-me ao Sol nas anharas,
Molhar-me à chuva nas chanas,
Sentir gelar-me na cara
À noite o ar da savana.
3
Jogar o balde e, puxando,
Tirar água da cacimba,
Deixar na sanga, pingando,
Beber, fresca, da muringa;
Ir de chata ao alto mar,
Machimbombo em rota longa,
Camangas ir garimpar,
Fazer venda na kandonga;
Ir de ginga p’los muceques,
Dar pé num forro de arromba,
Entre cafekos, moleques,
Dar semba ao som de um kizomba;
Ouvir guizos de chingange,
Cazumbis sentir no ar,
Ouvir trinar o kissange,
Gemendo a puíta soar.
4
Pegar saltão no deserto,
Aranhuço no capim,
Ver um olongo de perto,
De longe a onça ou afim;
Botar pedra na chifuta
P’ra chirikuata caçar,
Pôr visgo em galho de fruta
Bico-de-Lacre pegar;
Pôr rede p’ra Papa-Areia,
Armar laço ao garajau,
Ver no fogo que se ateia
O haraquiri do lacrau
5
Sentir no corpo, qual forno,
Palúdica tremideira,
Ter do makulo o transtorno,
Da bitacaia a coceira;
Sentir o ardente prurido
Do ferrão do marimbondo,
O ruborizar dorido
Da picada do kissonde.
6
Comer maboque, pitanga,
Sape-sape, fruta pinha,
Anona, abacate e manga,
Cola e mandioca em farinha;
Comer múkua, tamarindo,
E tabaibo, e miramgôlo,
Beber bulunga e, convindo,
De caxipembe um bom golo;
Pegar milho e fazer fuba,
Tirar do dendem o azeite,
Comer doce de jinguba,
Do coco sugar o leite;
Fazer fogueira no chão,
Na brasa mulamba assar,
Comer com funje ou pirão
E jindungo de abrasar;
Comer guibulo gostoso,
Mucunza, ginguinga rica,
Um gulungo saboroso,
Uma pesada cangica;
Comer mukeca e fartar-me,
Em muamba me empanturrar,
De muzonguê lambuzar-me
Com farofa a acompanhar;
De peixes comer a zaza,
De carapau o bufete,
Chôco seco assar na brasa,
Saborear o mufete;
Comer matete adoçada,
Pirão frito, tapioca,
Beber Cuca acompanhada
De salgadinha macoca;
P’ra terminar numa boa,
Por sobremesa sublime,
Um dionjo ou dinhangoa,
Quitando ou, talvez, mahime.
7
De recordações liberto,
De sabores satisfeito,
No ar puro do deserto
Revitalizar o peito
E partir com ar solene
Nessa viagem tão linda
Que ligue a foz do Cunene
Ao Chiloango, em Cabinda.
Ver os Tigres, ver o Pinda,
Ter o Iona na retina,
S. João do Sul e, ainda,
O Coroca e Ponta Albina;
Transpor do Namibe as dunas
P’ra ver Tômbua, a cidade,
Recordar naus e escunas
Do Cabo Negro a saudade;
Admirar tômbua, a planta,
Espreguiçando ao deserto.
E a cidade-mãe que encanta
Qual milagre em céu aberto.
8
Ver florir as oliveiras
No meio do areal,
Pender cachos das videiras
Nesse Namibe infernal;
Sentir do mar as aragens,
Desde o Saco ao Pau-do-Sul,
Ir à Praia das Miragens,
Praia Amélia e Praia Azul;
Ir ao Cabo Submarino,
A Santa Rita, ao Quipola,
Torre-Tombo onde, menino,
Brinquei, cresci, fui à escola;
Ir às ostras na Lucira,
Ao burrié no Farol,
Secar choco em bruto ou tiras
No Chapéu Armado, ao Sol;
No Canjeque pescar mero,
Nas Furnas rever as grutas,
Beber das águas do Bero,
Ir às Hortas roubar fruta;
Ir ao Pico do Azevedo,
Olhar o Morro Maluco,
Ver a Bibala e, sem medo,
Aventurar-me p’lo Bruco.

Subir a Chela de dia
Pela Leba, essa obra-prima,
Enquanto o olhar se extasia
Na paisagem, serra a cima;
Sentir Lubango defronte
Pelos perfumes que exala,
Ir à Senhora do Monte,
À fenda da Tundavala;
Olhar a terra fecunda,
Ver a beleza da muíla,
Ver Humpata, ir à Mapunda,
Chibia, Kipungo e Huila;
Ir a Hoque e Capelongo,
Ver as minas no Cassinga,
Ir a Ondjiva e Menongue,
A Nriquinha e Mavinga.
10
Do Lumbala ao Cazombo ir,
Por Luau Luena ver,
Passar Munhango e seguir
P’ra Kamacupa rever;
Passar Wama, ir ao Andulo,
No Kuito ver a embala,
Ao Huambo dar um pulo,
Ir mais p’ra Sul na Kaala;
De Caconda ir ver o mar
Entre Lobito e Benguela,
Na Restinga descansar,
Ver Cavaco e Catumbela;
De Sumbe à Cela subir
Para à Gabela descer,
Ir à Quibala e partir
P'ra Calulo à vista ter.
11
Dondo e Massangano olhar
E por Muxima passando
Seguir em frente e buscar
Catete e Ndalatando;
Ir a Malanje e Saurimo,
Embrenhar-me em densas matas,
Rever Cacolo e Luachimo,
Lucala e as cataratas;
Caungulo descobrir,
Ver Uíge, Sanza Pombo,
Kuango, Dambe, e prosseguir
Até Maquela do Zombo;
Ir de Mbanza a Cabinda,
Ver do Zaire a foz tão bela,
Nzeto, Quimbambe e, ainda,
Quiteche e Camabatela,
Por Nambuangongo passar,
Ir a Quibaxi e Caxito,
No Cacuaco findar
Este deambular bonito.
PORQUE PERTO, JUNTO AO MAR,
JÁ LUANDA SE PRESSENTE,
DA PÁTRIA NATAL ALTAR,
DESTA SAUDADE SEMENTE.
José António Teixeira

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