sexta-feira, dezembro 20, 2013

Pignatelli

Passam hoje vinte anos sobre a morte de Luís Pignatelli - pseudónimo literário de Luís de Andrade. O Luís (1935 - 1993) nasceu em Espinho onde  fez a instrução primária e frequentou o liceu. Iniciou a actividade literária em 1953, na revista Bandarra. Em meados da década de 50, fixa-se em Coimbra onde publica alguns poemas na revista Vértice. É nesta cidade que estabelece fortes relações de amizade com José Afonso, Herberto Hélder, Adriano Correia de Oliveira, António Quadros, Manuel Alegre, etc.
Em 1963, trabalha alguns meses em Moçambique, mudando-se definitivamente para Lisboa em 1965.
Aqui na capital  frequenta tertúlias (café Gelo, Snob, Botequim, etc) e colabora nos suplementos literários de vários jornais (por vezes sob o pseudónimo de Athayde de Andrade).  É também aqui que se dedica à tradução, à poesia e à escrita de músicas e canções cantadas por Zeca Afonso, Vitorino e Janita Salomé . O Luís Pignatelli aparece representado em algumas antologias (por exemplo, na Antologia da Poesia Concreta em Portugal, de E. M. Melo e Castro e José-Alberto Marques).  Em 1973, no Círculo de Poesia, da Moraes Editores, publica o seu único livro, Galáxias.
Tal como dizia Viriato Teles na revista MPP (em 1994) "O Luís faz falta por todas estas pequenas coisas e por muitas outras. As histórias, sobretudo as histórias que ele sabia contar como poucos mais - a não ser, claro, o Manuel da Fonseca, de quem também se fala muito ali pelos lados do Café Expresso. Das histórias do Luís Pignatelli, e são muitas, não me permito aqui dar conta: são património privado de quantos com ele conviveram tardes e noites avulsas, construindo juntos sublimes manifestações espontâneas de escárnio e bem-dizer".
Deixo-o(a) agora com dois poemas escritos por Luís Pignatelli. É de referir que o poema "As Pombas" foi escrito em parceria com Zeca Afonso e transformou-se na letra de uma canção (Música: José Afonso  (1929-1987), Luís de Andrade (1935-1993), Rui  Pato. Letra: Luís Oliveira de Andrade, José Afonso. Coimbra - 1963).
AS POMBAS
*
Pombas brancas
Que voam altas
Riscando as sombras
Das nuvens largas
Lá vão
Pombas que não voltam
*
Trazem dentro
Das asas prendas,
Nos bicos rosas
Nuvens desfeitas
No mar
Pombas do meu cantar
*
Canto apenas
Lembranças várias
Vindas das sendas
Que ninguém sabe
Onde vão
Pombas que não voltam
*
Elegia do teu corpo na praia
De costas para o mar.
as tuas pernas como dois lírios brancos.
duas conchas cavadas no lado de trás dos joelhos,
pequenas gotas de água evaporando-se dentro delas.
o sol começa a dar-te uma cor de ébano novo.
a luz é intensa.
estendo-me junto de ti.
pouso a cabeça nos teus quadris,
essa doce e quente enseada.
como uma sucessão de ondas
as tuas ancas estremecem,
rolam na minha boca.
tenho a minha boca colocada nas tuas ancas.
as minhas mãos nas tuas omoplatas.
respiro contidamente como se fosse uma morte.
beijo-te o pescoço em silêncio.
a luz na praia agora é mais crua.
levantas-te. desapareces na água. respiro ainda em silêncio.
quando regressas o sol é uma rosácea faiscante.
volto a colocar a minha cabeça sobre o teu corpo.
o cheiro intenso do sal abre-me as narinas.
digo muito baixo: é afrodite que vem do mar.
e fico silencioso como um barco ancorado.
da baía do teu corpo começam a levantar voo
as gaivotas das minhas mãos.
Luis Pignatelli - "Obra Poética", Ed. & etc., 1999

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