segunda-feira, fevereiro 12, 2018

O Carnaval em Portugal no Século XVIII

 Carl Israel Ruders (nomeado capelão da legação da Suécia junto da corte de Lisboa em 1798), no livro Viagem Em Portugal, 1798 - 1802, descreve assim o Carnaval no nosso país, no final do século XVIII e início do século XIX:
(...) Quando se aproxima um tão longo período de mortificação, como a Quaresma, toda a gente procura, nos derradeiros dias, alegrar o espírito com divertimentos vários.
Os bailes e as reuniões são então frequentes entre as famílias, principalmente nos últimos três dias, que constituem o verdadeiro Carnaval. A maneira, porém, como ele se celebra ao ar livre é para surpreender os estranhos. Lançar água pelas janelas tinha eu já visto muitas vezes, mas nunca imaginei que houvesse uma época no ano em que se empregasse tanta diligência e boa vontade para, de propósito, molhar a gente que passa. A mim mesmo e a um outro estrangeiro, no dia da Candelária (2 de fevereiro), não houve casa donde não nos atirassem água.
Em vão fugíamos para o meio da rua; ficávamos igualmente expostos, porque se empregam seringas para essa desagradável operação.
Não éramos nós, porém, as únicas vítimas. Todas as pessoas bem vestidas são tratadas da mesma maneira...pelas damas. Algumas atiram pós, ervilhas, tremoços, cascas de laranjas e de limões sobre os cavalheiros que passam.
As pessoas mal trajadas, esas ficam por conta do rapazio das ruas, que se incumbe de os salpicar de lama e de lhes enfarruscar a cara com sarranho ou fuligem. Muitos garotos trazem cordas que enlaçam as pernas da gente fazendo-a cair. Das esguichadelas de água nem as tropas da guarnição são poupadas; a maior porção porém é consagrada aos oficiais e aos músicos dos regimentos. (...) A populaça amarra os cães e prende-lhes caçarolas velhas, panelas, funis, mil coisas, enfim.
Festejos de Carnaval, Rua Garrett.
Vê-se  a carruagem com a rainha D. Amélia, 189..,
Os pobres animais, que fogem angustiados com todas essas quinquilharias a enrodilharem-se-lhes nas pernas, arrastando-os e açulando-os, passam entre a vozearia e as pedradas da multidão, que mais aumentam o seu terror e desespero.
Às noites, foguetes e buscapés fuzilam no ar, enxameando entre as seges e os peões.
Quando aparece algum infeliz levando , sem o saber, qualquer farrapo ou tira de papel que, sub-repticiamente, lhe colaram nas costas, rompem gritos e palmas de todos os lados: "Rabo leva! Rabo leva!". Das seringadelas nem mesmo a gente se livra à janela de casa, porque os que moram nos andares mais altos esguicham os que estão por baixo, e estes  repelem o ataque pelo mesmo processo. Toda esta brincadeira é uma espécie de galantaria, contra a qual não deve insurgir-se quem não quiser ser tido na conta de estrangeiro ordinário e grosseirão. Por este motivo, as vítimas costumam tirar o chapéu e cumprimentar as senhoras que mais copiosamente os encharcaram. Nesses dias há um tal excesso de serviço para os aguadeiros, que não há momento em que se não vejam, rua abaixo, rua acima, na faina incruenta de encher as talhas, sempre vazias, dos fregueses.
Os guardas da polícia são as únicas pessoas que nesta ocasião não admitem brincadeiras.(...)
Na quarta-feira que antecede o domingo de Laetare , por volta das onze horas da noite, saem procissões organizadas por particulares, em que o espiritual não tem nada que ver.
Em sinal de regozijo por verem passada metade da Quaresma, percorrem as ruas com uma figura representando uma velha zarolha, muito velha e condenada a perder o único olho que lhe resta. Essas procissões, que se realizam à luz de archotes, são mais ou menos sumptuosas.
Tomam parte nela peões e cavaleiros. Vi-a passar de uma das minhas janelas e não posso negar que apresentava, à luz dos archotes, um aspecto muito belo e imponente. (...)

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