segunda-feira, abril 20, 2015

A Caça e a Caçada

"The Hunt" (A Caça) é um filme (drama) dinamarquês, de 2012, realizado por Thomas Vinterberg e tendo no principal papel Mads Mikkelsen
A acção do filme decorre numa cidadezinha dinamarquesa em vésperas de Natal. Lucas (Mads Mikkelsen), professor do jardim-de-infância, é injustamente acusado de agressão sexual e passa a ser alvo de perseguição por toda a comunidade. Lucas é um professor carismático, bastante querido pelos seus alunos, porém uma das crianças, Klara, encanta-se pelo homem, transformando a sua vida num inferno.
Este filme mostra as proporções que um rumor pode tomar quando espalhado sem as devidas investigações.
Para quem queira reflectir sobre estes assuntos aqui fica, também, um texto da deputada Mariana Mortágua, publicado em 27/03/15 sob o título:
"A caçada"  
"Lucas é um educador dedicado e respeitado na pequena comunidade onde vive e trabalha. Até ao dia em que, chamado ao gabinete da responsável pela escola, e vítima de uma mentira fortuita e aleatória, vê o seu mundo ruir. Abandonado pelos amigos mais próximos, despedido, humilhado e agredido na rua, todos lhe viram as costas e os que não fazem é porque querem fazer justiça pelas suas mãos. Lucas não cometeu crime algum, mas a violência da suspeita (abuso sexual de uma criança) e a repugnância que esse crime justamente nos provoca, transformou o seu dia-a-dia entre a desesperada tentativa de se reabilitar e a de se manter vivo. Lucas é um personagem fictício, de um filme demasiado vivido e real para ser ignorado no preciso momento em que o governo português defende a criação de uma lista, de acesso público, com o nome dos abusadores sexuais de menores. "A Caçada", é esse o nome deste filme dinamarquês, foi premiado em Cannes, e é um poderoso retrato do inferno que se pode esconder ou alimentar das nossas melhores intenções e preocupações. Como dizia José Soeiro, no Facebook, a proposta do Governo aproveita a boleia da legítima repugnância social generalizada contra o abuso de menores, para colocar em causa direitos cívicos básicos, assumindo-se como um precedente que não pode ser aceite num Estado de Direito. 
É à boleia das melhores intenções, como é o caso, que começam os piores abusos. Não é por acaso, de resto, que todos os pareceres (Ordem dos Advogados, Ministério Público, Conselho Superior da Magistratura, entre outros) rejeitam a ideia que uma eventual lista de abusadores de crianças possa ser consultada por terceiros - neste caso pais de menores de 16 anos. Antes de nos determos na lei, e na forma atabalhoada e até interesseira como foi preparada e apresentada, é preciso referir o dado mais relevante - mas talvez mais desconhecido - sobre este crime. Nove em cada dez dos abusos sexuais cometidos sobre crianças acontecem no contexto familiar. É por isso que o principal instrumento no seu combate não é fazer de cada pai, legitimamente preocupado, um voyeur em potência, mas o reforço das redes sociais de acompanhamento e sinalização de menores em situação familiar de risco. Ora, o que o Governo fez foi precisamente o contrário. Agita o populismo fácil de uma lista que, incidinde sobre um crime propenso como mais nenhum a criar agitação e mesmo violência social e local, mas despediu há poucos meses mais de 400 educadores e assistentes sociais. Grande parte destas pessoas trabalhavam precisamente com as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens. O populismo tem este problema. Agita e esbracej mas não oferece soluções, ou, pior ainda, aparece para esconder as verdadeiras políticas que deixam mais vulneráveis enquanto comunidade. Se dúvidas existissem sobre a despreocupação com o que realmente se passa no terreno, a Procuradoria Geral da República dá um exemplo gritante. O mesmo Governo que acha bem permitir o acesso de qualquer à identidade de um agressor sexual, mesmo que tenha cumprido pena há 20 anos, não inclui as comissões de proteção de crianças na lista de entidades com acesso direto à mesma. Que é preciso proteger as crianças nem se discute. Que é preciso melhorar a legislação, nomeadamente nos riscos exponenciados pela internet, vamos a isso. Que é preciso cruzar dados e fornece-los às autoridades competentes, como defende a Directiva Comunitária que o Governo treslê, certíssimo. Que é preciso uma rede social capaz de defender as crianças, estamos todos de acordo menos este Governo - que despediu essas pessoas. Mas entre partir deste consenso e fornecer o acesso quase indiscriminado a essa informação, vai um passo gigante e um risco ainda maior. É o da diferença entre a preocupação e o populismo. Para quem pense que o início deste texto só acontece num filme, deixo uma citação do parecer da Procuradoria Geral da República. "Já há registos - pelo menos um - de casos de tal natureza. Um pai foi violentamente agredido porque erroneamente tomado como estando a abusar sexualmente da sua filha quando brincava com ela, a aguardar a abertura do infantário onde a deveria deixar. Irrompeu a fúria popular descontrolada". Mariana Mortágua

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