domingo, julho 04, 2010

Em Lisboa com Cesário Verde

Nesta cidade, onde agora me sinto

mais estrangeiro do que os gatos persas;

Nesta Lisboa, onde mansos e lisos

os dias passam a ver as gaivotas,

e a cor dos jacarandás floridos

se mistura à do Tejo, em flor também,

só o Cesário vem ao meu encontro,

me faz companhia, quando de rua

em rua procuro um rumor distante

de passos ou aves, nem eu sei já bem.

Só ele ajusta a luz feliz dos seus

versos aos olhos ardidos que são

os meus agora; só ele traz a sombra

dum verão muito antigo, com corvetas

lentas ainda no rio, é a música,

o sumo do sol a escorrer da boca,

ó minha infância, meu jardim fechado,

ó meu poeta, talvez fosse contigo

que aprendi a pesar sílaba a sílaba

cada palavra, essas que tu levaste

quase sempre, como poucos mais,

à suprema perfeição da língua.
Eugénio de Andrade

1 comentário:

alexa disse...

Que linda é a nossa língua, quando é bem [d]escrita! :)