sexta-feira, maio 28, 2010

Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra No Mar?

Deixo-vos, hoje, mais algumas palavras de Lobo Antunes, a propósito da entrevista que deu ao jornalista, Ubiratan Brasil, via telefone, a partir do seu escritório em Lisboa.
Nessa entrevista, Ubiratan recordou ao escritor que, em relação ao Arquipélago da Insónia, ele teria contado, que primeiro ouviu a voz do autista, um dos personagens principais daquele livro.
Eu devo ter dito isso mesmo... É curioso mas recordo-me mais dos problemas que
enfrentei do que propriamente da narrativa. Naquela época, em 2008, descobri que estava com cancro nos intestinos. Foi terrível, não sabia se ia viver ou morrer. Foi difícil retomar o livro depois de dois meses sem escrever, pois não tinha forças. Voltei lentamente, escrevendo uma hora e ficando cansado. Ao mesmo tempo, ganhei o Prémio Camões. Finalmente, quando estava a terminar o livro, descobri que me havia curado
.
O discurso do autista permite que você exercite a linguagem fragmentada para narrar a história de três gerações de uma família rural portuguesa, desde sua ascensão até a sua queda total. Como funciona o trabalho de burilar a palavra?
Eu sei que ninguém escreve como eu. Mas isso não me traz alegria alguma. Escrevo com dificuldade, mas sinto-me à vontade com o assunto. Fico espantado quando algum leitor confessa ter certa dificuldade no entendimento - a escrita sempre foi muito clara para mim.
Em sua opinião, o que explicaria essa dificuldade do leitor?
Não sei, talvez a maioria espere por uma intriga bem definida, o que não acontece nos meus livros. O livro deveria ser publicado sem o nome do autor, aí acabariam os problemas de inveja. Deveria, sim, levar o nome do leitor, porque o livro também é a nossa circunstância. Veja, a única obra que me fez chorar foi Love Story, que é uma porcaria. Mas eu estava isolado em África, a minha mulher grávida, estava em Lisboa. Assim, quando lemos, estamos a projectar os nossos fantasmas, sofrimentos, medos. O que vai ficar é a obra e não seu autor.
Depois de O Arquipélago da Insónia, você publicou, Que Cavalos São Aqueles
Que Fazem Sombra no Mar?
Há cinco meses finalizou Sôbolos Rios Que Vão, que deve ser lançado em Portugal em Outubro. Escrever não parece ser um sacrifício para você.
Tenho cada vez mais medo de escrever, de decepcionar as pessoas que confiam em mim. Não tenho o direito de desiludi-las. É um recomeçar em cada livro. O leitor não pode perceber isso, tem de acreditar que é muito fácil escrever. Mas espontaneidade dá muito trabalho.
A novidade, portanto, tem de surgir a cada novo abrir de página?
Para mim, sim. Não gosto de repetir fórmulas. Só começo um novo livro quando estou seguro de que não conseguirei escrevê-lo. É um desafio, não posso deixar-me vencer pelas palavras.
E, nesse caminho, o enredo é secundário?
A intriga não me interessa, só serve para apanhar o leitor. O livro é simbólico, quero expressar os sentimentos mais profundos, aqueles, por definição, intraduzíveis em palavras. Para mim, essa é a única forma de se escrever um livro. A história não tem importância nenhuma, serve apenas como um anzol para fisgar o leitor. O escritor admite, ainda, que tem cada vez mais medo de escrever.
Texto elaborado a partir de excertos da entrevista dada pelo escritor, a UBIRATAN BRASIL, jornalista d' O Estado de S.Paulo, em 25 de Abril de 2010.

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